A esternotomia para cirurgias cardíacas causa dor intensa no pós‐operatório e quando não tratada adequadamente pode causar morbidade grave. Como nesse caso a dor neuropática é uma componente importante, gabapentina e pregabalina podem ser eficazes nesses pacientes e podem reduzir o consumo de opioides no pós‐operatório. O objetivo desta revisão sistemática foi avaliar a eficácia de gabapentina e pregabalina na dor aguda após cirurgia cardíaca.
MétodosForam incluídos nesta revisão estudos clínicos prospectivos e randômicos com humanos, que compararam o uso de gabapentina/pregabalina nos períodos pré‐ e/ou pós‐operatório com placebo ou nenhum tratamento para o controle da dor no pós‐operatório de cirurgia cardíaca.
ResultadosQuatro ECRs de gabapentina e pregabalina foram incluídos nesta revisão sistemática. Três estudos de gabapentina e dois de pregabalina relataram diminuição do consumo de opioides em pacientes cirúrgicos cardíacos; um estudo de gabapentina e dois de pregabalina não relataram. Três ECRs de gabapentina e pregabalina relataram escores menores de dor, durante a atividade e o repouso. Os medicamentos não estão associados a complicações significativas.
ConclusãoEmbora os escores de dor tenham sido menores no pós‐operatório, não há evidências suficientes para recomendar o uso rotineiro de gabapentina e pregabalina para reduzir o consumo de opioides em pacientes cirúrgicos cardíacos.
Sternotomy for cardiac surgeries causes significant postoperative pain and when not properly managed may cause significant morbidity. As neuropathic pain is a significant component here, gabapentin and pregabalin may be effective in these patients and may reduce postoperative opioid consumption. The purpose of this systematic review was to find out efficacy of gabapentin and pregabalin in acute postoperative pain after cardiac surgery.
MethodsPublished prospective human randomized clinical trials, which compared preoperative and/or postoperative gabapentin/pregabalin with placebo or no treatment for postoperative pain management after cardiac surgery has been included in this review.
ResultsFour RCTs each for gabapentin and pregabalin have been included in this systematic review. Three gabapentin and two pregabalin studies reported decrease in opioid consumption in cardiac surgical patients while one gabapentin and two pregabalin studies did not. Three RCTs each for gabapentin and pregabalin reported lower pain scores both during activity and rest. The drugs are not associated with any significant complications.
ConclusionDespite lower pain scores in the postoperative period, there is insufficient evidence to recommend routine use of gabapentin and pregabalin to reduce opioid consumption in the cardiac surgical patients.
A esternotomia para cirurgia cardíaca causa dor intensa no pós‐operatório,1 com consequências significativas em curto e longo prazo. A dor aguda mal controlada após a cirurgia pode complicar o pós‐operatório imediato2,3 e também pode causar dor crônica.4 Embora os pacientes normalmente sintam mais dor no primeiro dia de pós‐operatório, a dor intensa pode continuar até o sexto dia de pós‐operatório.5 O controle adequado da dor aguda reduz a demanda de oxigênio do miocárdio e diminui a incidência de episódios isquêmicos.3,6 Os opioides parenterais, embora eficazes, podem causar sedação, depressão respiratória, vômito e prurido que podem ser problemáticos.7 Além disso, os opioides podem ter eficácia limitada quando a dor está associada a atividades como tosse e respiração profunda.8 As opções de analgesia neuraxial central na população cirúrgica cardíaca também são limitadas, principalmente devido ao uso de anticoagulantes no período perioperatório, e a sua superioridade ao opioide via PCA também é discutível.9
A dor aguda no pós‐operatório também pode ter um componente neuropático significativo, juntamente com a dor nociceptiva devido à estimulação periférica de mecanorreceptores e sensibilização central e periférica por vários mecanismos.10,11 Durante a esternotomia, os nervos intercostais podem ser lesionados devido ao estiramento desses nervos na junção costovertebral pela retração do esterno e danos também podem ocorrer durante a dissecção da artéria mamária interna do esterno; todos esses procedimentos contribuem para a dor neuropática.
Os gabapentinoides (gabapentina e pregabalina) são novos fármacos antiepilépticos também com significativa eficácia no tratamento da dor neuropática12,13 e dor no pós‐operatório.14–16 Exercem efeito antinociceptivo pela ligação com a subunidade α2δ do canal de cálcio sensível à voltagem.14,17 Além de ter efeito antialodínico central, os gabapentinoides também inibem a transmissão da dor.17 Esses medicamentos estão disponíveis apenas em preparações orais e diferem principalmente na biodisponibilidade. Gabapentina é absorvida no duodeno por um mecanismo de transporte saturável de l‐aminoácidos, de modo que a biodisponibilidade varia inversamente com a dose.18 A biodisponibilidade também varia muito entre indivíduos, salienta a necessidade de individualização da dose para atingir os objetivos clínicos.19 Em contraste, pregabalina é absorvida pelo intestino delgado com captação linear sem a saturação do transportador.17 Os dois medicamentos apresentam uma ligação às proteínas plasmáticas muito baixa, sem metabolismo, e são excretados inalterados na urina; a modificação da dose é necessária em casos de insuficiência renal.17 Com uma meia‐vida de eliminação de 4,8‐8,7horas (h), a dose de gabapentina deve ser administrada três vezes por dia.18 Formulações alteradas foram concebidas para facilitar regimes de uma ou duas vezes por dia; por exemplo: Gralise (libertação prolongada) e gabapentina enacarbil (um pró‐fármaco).20 Pregabalina tem uma meia‐vida de eliminação de 5,5‐6,3h, requer duas ou três doses por dia. Ambos os fármacos não causam efeitos colaterais significativos e interações medicamentosas na dosagem clinicamente útil.17 Gabapentina também pode ser útil para prevenir a dor crônica no pós‐operatório.21 Ambos também foram extensivamente estudados em várias populações cirúrgicas para o controle da dor no pós‐operatório, com diferentes graus de sucesso. Poucos estudos clínicos controlados e randômicos (ECRs)22–29 abordaram a eficácia da administração de gabapentinoides no período perioperatório para o controle da dor aguda após cirurgia cardíaca e relataram resultados variáveis. Portanto, fizemos esta revisão sistemática para descobrir a eficácia de gabapentina e pregabalina para a dor aguda no pós‐operatório de cirurgia cardíaca.
MétodosNesta revisão incluímos estudos clínicos prospectivos em humanos que compararam gabapentina/pregabalina no pré‐operatório e/ou pós‐operatório com placebo ou nenhum tratamento para o controle da dor após cirurgia cardíaca.
Período do estudo e método de pesquisaFizemos uma busca eletrônica nas bases de dados PubMed, PubMed Central, Embase e Central com as seguintes palavras‐chave, gabapentina; pregabalina; cardíaca e esternotomia, para descobrir os estudos clínicos elegíveis em 20 de setembro de 2013. Também fizemos outra pesquisa bibliográfica em 9 de agosto de 2015 para atualizar o resultado da pesquisa anterior. A estratégia de busca no PubMed é descrita no Apêndice 1. As referências resultantes da primeira busca também foram manualmente pesquisadas para estudos potencialmente elegíveis.
Seleção dos estudosEstudos clínicos prospectivos e randômicos com humanos, que compararam gabapentina/pregabalina com placebo ou nenhum tratamento no pré‐operatório e/ou pós‐operatório para o controle da dor após cirurgia cardíaca, foram selecionados. Não impusemos restrição a qualquer idioma. Estudos de população adulta ou pediátrica foram incluídos. Não fizemos busca por estudos não publicados. Não foram solicitados aos autores dados não publicados nos estudos incluídos. Um fluxograma do Prisma30 da seleção dos estudos é apresentado na figura 1.
Critérios de exclusãoEstudos clínicos nos quais os fármacos orais gabapentina ou pregabalina foram comparados com placebo ou qualquer outro fármaco em populações cirúrgicas não submetidas à cirurgia cardíaca foram excluídos. Estudos que não relataram os efeitos do fármaco do estudo sobre dor aguda no pós‐operatório também foram excluídos. Também excluímos estudos que usaram uma técnica de analgesia regional no pós‐operatório como parte do regime multimodal.
Coleta de dadosOs resumos de estudos potencialmente elegíveis foram pesquisados manualmente para determinar a sua elegibilidade nesta revisão. Coletamos os dados necessários a partir do texto completo dos estudos. Dois autores independentemente (DKB e SB) extraíram todos os dados dos estudos elegíveis. Inicialmente, todos os dados foram tabulados na planilha de cálculo do Microsoft Excel™.
Dados extraídosOs seguintes dados foram extraídos dos estudos elegíveis: nome do primeiro autor, ano de publicação, métodos de randomização e ceguidade, população do estudo, protocolo de administração do fármaco no estudo, consumo de opioides e escores de dor no pós‐operatório, incidência de dor crônica após esternotomia e escores de dor crônica, tempos de ventilação mecânica e de permanência em UTI e reações adversas. Todos os dados extraídos foram tabulados em uma planilha do Microsoft Excel.
As medidas do desfecho primário desta revisão foram os escores de dor no pós‐operatório (em repouso e em movimento). As medidas dos desfechos secundários foram o consumo de opioides no pós‐operatório, os efeitos dos fármacos em estudo sobre os efeitos adversos relacionados aos opioides, os tempos de ventilação mecânica e de permanência em UTI.
Quando uma metanálise quantitativa não foi possível, uma revisão sistemática qualitativa dos dados relatados foi feita.
Risco de viés em estudos individuaisA qualidade dos estudos elegíveis foi avaliada com o uso da ferramenta “risco de viés” do programa Review Manager versão 5.2.3 (Review Manager [RevMan]. Version 5.2. Copenhagen: The Nordic Cochrane Center, Cochrane Collaboration, 2012) por dois autores que trabalharam de forma independente (SM e AS). Geração de sequências randômicas, ocultação da alocação, ceguidade, dados incompletos e relatos seletivos foram avaliados; com base nos métodos usados, cada estudo foi classificado como “sim”, “não” ou “impreciso”, refletiram alto risco de viés, baixo risco de viés e viés dúbio, respectivamente. A figura 2 mostra o resumo do risco de viés para os estudos individuais.
ResultadosA pesquisa nos bancos de dados revelou 174 artigos. Em seis estudos clínicos, gabapentina foi usada como analgésico em cirurgias cardíacas, mas em um deles31 gabapentina foi comparada com diclofenaco e, portanto, o estudo foi excluído da análise. Outro estudo clínico controlado e randômico (ECR)32 comparou um regime multimodal com gabapentina com um regime analgésico baseado em opioides. Por fim, quatro ECRs23,25,26,28 que avaliaram gabapentina e outros quatro que avaliaram pregabalina22,24,27,29 estavam em conformidade com critérios de inclusão para esta revisão sistemática. O risco de viés em cada estudo é apresentado na figura 2. Os protocolos de estudo dos estudos individuais e da população de pacientes são descritos na tabela 1. A seguir, faremos um resumo dos resultados que reunimos.
Resumos dos protocolos dos estudos e dos resultados de estudos individuais
Autor & ano | Pacientes | Protocolo | Analgésicos no pós‐operatório | Resultado analgésico | Outro resultado |
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Gabapentina | |||||
Soltanzadeh et al., 201126 | 60 homens entre 20‐70 anos agendados para CABG | Gabapentina oral 800mg 2h antes da cirurgia e 400mg 2h após a extubação (n=30), vs. placebo (n=30) | Morfina | Os escores de dor tanto em repouso quanto durante a tosse foram significativamente menores no grupo gabapentina (p=0,02). Alterações hemodinâmicas (FC, PAS, PAD) e incidência de náusea, vômito e depressão respiratória em 24h foram comparáveis entre os dois grupos. | A ventilação mecânica no pós‐operatório foi significativamente maior (p=0,03) no grupo gabapentina (5,4±1,7h) que no grupo controle (4,4±1,6h). O número de pacientes com excesso de sedação (escore de sedação>2) foi maior no grupo gabapentina. |
Menda et al., 201023 | 60 homens jovens submetidos à CABG | Gabapentina oral 600mg 2h antes da cirurgia (n=30), vs. placebo (n=30) | Morfina PCA, paracetamol | O consumo total de morfina foi menor no grupo GABA (6,7±2,5) que no grupo placebo (PLA) (15,5±4,6 mg, p<<0,01) em 24h. Os escores de dor em repouso foram significativamente menores no grupo GABA durante o período do estudo (p<0,05). Os escores de dor em 2, 6 e 12h durante a tosse foram significativamente menores no grupo GABA (p<0,05), enquanto os escores de dor em 18, 24 e 48h durante a tosse foram semelhantes entre os grupos. | O período de ventilação mecânica no pós‐operatório foi significativamente prolongado no grupo GABA (6,6±1,2h) em comparação com o grupo PLA (±1h, p<0,01).O número de pacientes com excesso de sedação (pacientes com escore de Ramsay>2) foi superior no grupo GABA em 2, 6 e 12h do estudo. Houve menor incidência de náusea no grupo GABA (p=0,02). |
Rapchuk et al., 201025 | 60 pacientes submetidos à esternotomia mediana | Gabapentina oral 1.200mg 2h antes da incisão cirúrgica e 600mg duas vezes ao dia para os próximos dois dias de pós‐operatório (n=30), vs. placebo (n=30). | Fentanil PCA, paracetamol, tramadol, petidina, AINEs | O uso total de fentanil via PCA nas primeiras 48h foi semelhante nos dois grupos. Os escores VAS registrados às 12, 24, 48 e 72h em repouso e em movimento não foram significativamente diferentes. | Os escores de sono, o número de doses de antieméticos nas primeiras 48h, o uso de medicamentos adjuvantes e o escore obtido no questionário de qualidade da recuperação foram semelhantes nos dois grupos. A incidência de efeitos colaterais (arritmia, tontura e sedação) também foi semelhante. |
Ucak et al., 201128 | 40 pacientes com DCI submetidos à CABG | Gabapentina oral 1,2g.dL−1 1h antes da cirurgia e por 2 dias após a cirurgia (n=20), vs. placebo (n=20) | Tramadol, paracetamol | Os escores de dor em 1, 2 e 3 dias de pós‐operatório foram menores no grupo gabapentina (p<0,05). Os escores de dor em 1 e 3 meses de pós‐operatório também foram menores no grupo gabapentina (p<0,05). O consumo de analgésico de resgate (tramadol) em 24 horas após a extubação no grupo gabapentina foi 99,0±53,8mg vs. 149,4±72.5mg no grupo placebo (p<0,05). | Não houve diferença na incidência de efeitos colaterais e no tempo de extubação. |
Pregabalina | |||||
Joshi et al., 201322 | 40 pacientes entre 30‐65 anos submetidos à CABG primária sem bomba | Pregabalina oral 150mg 2h antes da indução e 75mg a cada 12h durante 2 dias de pós‐operatório (n=20), vs. placebo (n=20) | Tramadol, paracetamol, diclofenaco | Os escores de dor em repouso em 6, 12, 24 e 36h da extubação e os escores de dor à respiração profunda em 4, 6, 12, 24 e 36h da extubação foram menores nos pacientes tratados com pregabalina (p<0,05). O consumo de analgésico de resgate (tramadol) foi reduzido em 60% no grupo pregabalina (p<0,001). Os escores de intensidade da dor foram maiores no grupo controle em 12, 24 e 36h (p<0,05). A dor em repouso e à respiração profunda em 1 e 3 meses após a cirurgia foram comparáveis entre os grupos. | O grau de sedação (RASS) e a incidência de depressão respiratória e náusea foram comparáveis. Os tempos de extubação, permanência em UTI e permanência hospitalar também foram semelhantes. As taxas de fluxo máximo medidas por espirometria de incentivo foram maiores no grupo pregabalina em comparação com o grupo controle em 12, 24 e 36h da extubação (p<0,05). |
Pesonen et al., 201124 | 70 pacientes com 75 anos ou mais, submetidos à CABG primária eletiva ou correção de válvula única ou substituição com CPB | Pregabalina oral 150mg 1h antes da cirurgia e 75mg duas vezes ao dia durante 5 dias de pós‐operatório (n=35), vs. placebo (n=35) | Oxicodona | A porcentagem de pacientes que precisaram de analgesia foi significativamente menor em 2, 10 e 12h após a extubação no grupo pregabalina (p<0,05). Pregabalina também reduziu em 43% o consumo de oxicodona parentérica durante 16h após a extubação e em 48% o consumo total de oxicodona desde a extubação até o fim do 5° dia de pós‐operatório. A incidência de dor durante o movimento foi significativamente menor no grupo pregabalina em 3 meses de pós‐operatório, mas a dor após 1 mês foi semelhante. | Os escores RASS e MMSE foram semelhantes entre os grupos e os escores CAM‐ICU foram significativamente menores no grupo placebo no 1° dia de pós‐operatório. O tempo de extubação foi significativamente maior no grupo pregabalina (638±285 vs. 500±233min; p<0,05). A incidência de náusea e vômito foi comparável. |
Sundar et al., 201227 | 60 pacientes adultos agendados para CABG sem bomba | Pregabalina oral 150mg 1h antes da cirurgia (n=30), vs. placebo (n=30) | Fentanil | Os escores VAS medidos em 6, 12 e 24h após a cirurgia e o consumo de fentanil até 24h após a cirurgia foram semelhantes entre os grupos. | Os escores de sedação de Ramsay em 6, 12 e 24h após a cirurgia foram semelhantes entre os grupos. Os tempos de ventilação e de permanência em UTI e a incidência de náusea, vômito e tontura também foram comparáveis. |
Ziyaeifard et al., 201529 | 60 pacientes com mais de 20 anos agendados para CABG eletiva | Pregabalina oral 150mg 2h antes da cirurgia (n=30), vs. placebo (n=30) | Morfina | Os escores de dor foram significativamente menores no grupo pregabalina em 4, 12 e 24h da cirurgia p<0,05), mas o consumo de morfina foi semelhante entre os grupos. | O tempo de permanência em UTI foi semelhante. |
CABG, cirurgia de revascularização do miocárdio com bypass de artéria coronária; CAM‐ICU, método de avaliação do estado confusão para UTI; CPB, bypass cardiopulmonar; DCI, doença cardíaca isquêmica; FC, frequência cardíaca; MMSE, miniexame do estado mental; PAD, pressão arterial diastólica; PAS, pressão arterial sistólica; PCA, analgesia controlada pelo paciente; PLA, grupo placebo; RASS, escala de agitação‐sedação de Richmond; UTI, unidade de terapia intensiva; VAS, escala visual analógica.
Todos os estudos incluídos relataram escores de dor em diferentes momentos; portanto, uma análise combinada não foi possível.
GabapentinaUcak et al.28 relataram um escore menor de dor com o uso de gabapentina durante o repouso e a tosse em 6, 12, 18, 24, 48 e 72horas. Soltanzadeh et al.26 relataram que os escores de dor, tanto em repouso quanto durante a tosse, foram significativamente menores em 2, 6 e 12horas após a extubação nos pacientes que receberam gabapentina. Menda et al.23 relataram escores menores de dor em repouso e por até 48h após a extubação, mas apenas por até 12h para a dor durante a tosse. Porém, Rapchuk et al.25 relataram escores VAS semelhantes tanto em repouso quanto durante a tosse por até 72h de pós‐operatório. Rafiq et al.32 avaliaram os escores de dor com escala de 11 pontos (NRS) e descobriram que os pacientes no grupo multimodal contendo gabapentina – em todas as categorias, exceto “pior dor” no 4° dia – apresentaram escores médios de dor mais baixos. Os pacientes apresentaram uma média significativamente inferior referente à sensação de dor desde o dia zero (dia da cirurgia) até o terceiro dia. A menor dor sentida durante o dia também foi inferior no grupo multimodal do primeiro ao terceiro dia.
PregabalinaNo estudo conduzido por Joshi et al.22, os escores de dor em repouso em 6, 12, 24 e 36horas a partir da extubação e durante a respiração profunda em 4, 6, 12, 24 e 36horas a partir da extubação foram menores nos pacientes tratados com pregabalina (p<0,05). Os autores também descobriram que as taxas de pico do fluxo inspiratório avaliadas com espirometria de incentivo foram maiores no grupo pregabalina em comparação com o grupo controle em 12, 24 e 36horas a partir da extubação (p<0,05). Pesonen et al.24 relataram uma porcentagem significativamente menor de pacientes que precisaram de analgesia em 2, 10 e 12horas após a extubação no grupo pregabalina (p<0,05). Sundar et al.27 não conseguiram detectar diferença nos escores VAS avaliados em 6, 12 e 24horas após a cirurgia; Enquanto Ziyaeifard et al.29 descobriram escores de dor significativamente menores no grupo pregabalina em 4, 12 e 24horas da cirurgia (p<0,05).
Consumo de opioide no pós‐operatórioGabapentinaTrês estudos23,26,28 relataram consumo de opioides no pós‐operatório por até 24h após a extubação e um estudo25 relatou consumo de fentanil por até 48h. Dois desses estudos23,26 usaram morfina e um28 usou tramadol. Menda et al.23 descobriram que a administração de gabapentina no pré‐operatória reduz o consumo de morfina em comparação com placebo (6,7±2,5mg vs. 15,5±4,6mg, p<0,01). Soltanzadeh et al.26 relataram que gabapentina no pré‐ e pós‐operatório reduz o consumo de opioides em comparação com placebo (0,9±1,5mg vs. 1,5±4mg, p=0,01). Ucak et al.28 relataram o consumo de tramadol por via intravenosa e descobriram que gabapentina reduz o consumo de tramadol em comparação com placebo (99±53,8mg vs. 149,4±72,5mg, p<0,05). Rapchuk et al.25 relataram consumo semelhante de fentanil em 48h após a extubação (1.355±995mcg vs. 1.562±1.055±mcg; p=0,46; n=54).
PregabalinaJoshi et al.22 descobriram que o consumo de tramadol foi reduzido em 60% no grupo pregabalina em comparação com o grupo placebo (67,8±60,25mg vs. 167,1±52,1mg, p<0,001). Pesonen et al.24 relataram que pregabalina reduziu em 43% o consumo de oxicodona parenteral por 16h após a extubação (8±5mg vs. 14±6mg, p<0,001) e em 48% o consumo total de oxicodona desde a extubação até o fim do quinto dia de pós‐operatório (48±28mg vs. 93±44mg, p<0,001). Porém, Sundar et al.27 e Ziyaeifard et al.29 não encontraram diferença no consumo de fentanil (241,67±178,87mcg vs. 251,67±181,47mcg, p>0,05) e de morfina (3±0,17mg vs. 3,1±0,15mg, p>0,05) em até 24h após a cirurgia, respectivamente. Vale destacar que o uso de pregabalina foi contínuo no período pós‐operatório nos dois primeiros ECRs (até o 2° e o 5° dia, respectivamente)22,24 e foi administrada como dose única no pré‐operatório nos dois últimos.27,29
Dor crônicaGabapentinaUcak et al.28 descobriram que os escores de dor em um e três meses de pós‐operatório foram menores no grupo gabapentina, mas a diferença não foi estatisticamente significativa (p>0,05).
PregabalinaNo estudo conduzido por Joshi et al.22, a dor em repouso e durante a respiração profunda em um e três meses após a cirurgia foi comparável entre os grupos. Pesonen et al.24 relataram que a incidência de dor durante o movimento foi significativamente menor no grupo pregabalina em três meses de pós‐operatório, mas a dor após um mês foi semelhante.
Tempo de ventilação mecânicaUma análise combinada descobriu que o tempo de ventilação mecânica aumentou significativamente com o uso de gabapentina (=0,81h; IC 95% 0,43‐1,19; p<0,0001) (fig. 3), mas não com pregabalina (MD=0,60h; IC 95% −0,94‐2,13; p=0,45; n=160) (fig. 4).
O uso perioperatório de gabapentina (MD=1,06h; IC 95% ‐0,67‐2,79; p=0,23; n=120) ou de pregabalina (MD=0,63h; IC 95% ‐3,59‐4,85; p=0,77; n=220) não afeta de modo significativo o tempo de permanência em UTI.
Complicações no pós‐operatórioGabapentinaOs efeitos adversos comumente relatados de gabapentina são sedação, tontura e sonolência.17 Ucak et al.28 relataram que não houve aumento da incidência dos efeitos adversos de gabapentina. Menda et al.23 relataram um aumento da incidência de sedação (escore de sedação de Ramsay>2) com o uso de gabapentina em 2, 6 e 12horas após a extubação. Também relataram uma incidência significativamente menor de náusea nos pacientes tratados com gabapentina. Rapchuk et al.25 e Soltanzadeh et al.26 também não relataram aumento dos efeitos adversos com o uso de gabapentina.
PregabalinaPregabalina tem um perfil de efeitos colaterais semelhante ao de gabapentina.17 Os escores de sedação e a incidência de náusea/vômito relatada pelos três ECRs22,24,27 foram comparáveis entre os grupos. Joshi et al.22 também relataram incidência similar de depressão respiratória e Sundar et al.27 descobriram ocorrência similar de tontura entre os grupos. Por outro lado, os escores CAM‐ICU foram significativamente menores no grupo placebo no primeiro dia de pós‐operatório no estudo conduzido por Pesonen et al.24
DiscussãoOs principais achados desta revisão são que gabapentina não reduziu o consumo de opioides no pós‐operatório após cirurgia cardíaca, mas que pode reduzir os escores de dor à custa do aumento do tempo de ventilação mecânica. Porém, gabapentina foi segura e não apresentou efeitos adversos graves e um único estudo23 também relatou redução da incidência de náusea. Por outro lado, pregabalina diminuiu os escores de dor no pós‐operatório; reduziu o consumo de opioides quando continuada no pós‐operatório; não aumentou o tempo de ventilação mecânica, a sedação ou outros efeitos colaterais.
A eficácia de gabapentina no perioperatório para reduzir a dor está bem estabelecida em outros procedimentos, como cirurgias da coluna vertebral,33 cirurgias de mama,34 cirurgias ginecológicas35 e outras. Contudo, pode não ter eficácia no tratamento da dor após craniotomia.36 É provável que gabapentina seja mais eficaz quando o componente neuropático é significativo. A futilidade de uma única dose de gabapentina no pré‐operatório foi observada em vários cenários.37–39 Gabapentina pode ser mais eficaz para o controle da dor no pós‐operatório em doses mais elevadas e quando administrada pré‐ e pós‐operatoriamente.17 Entre os estudos incluídos em nossa revisão, Ucak et al.28 e Rapchuk et al.25 usaram gabapentina em dose de 1.200mg por dia, duas horas antes da cirurgia e de forma continuada também no pós‐operatório. Por outro lado, Menda et al.23 usaram gabapentina somente no período pré‐operatório e Soltanzadeh et al.26 usaram uma dose menor de gabapentina (800mg.dia−1). É notável que, apesar de usarem gabapentina em dose de 1.200mcg.dia−1 tanto no pré‐ quanto no pós‐operatório, Rapchuk et al.25 não observaram qualquer redução nos escores de dor e no consumo de fentanil. Em 2010, Parlow et al.40 descobriram que a concentração plasmática de gabapentina não é afetada pelo bypass cardiopulmonar e que os pacientes que receberam gabapentina consumiram uma quantidade de morfina no período pós‐operatório semelhante àquela dos pacientes que não receberam gabapentina. Em estudos anteriores,41 que relataram a ineficácia de gabapentina, o motivo para tal foi atribuído ao uso de anestesia regional nesses estudos e especulou‐se que a anestesia regional poderia ter evitado a sensibilização central. Porém, nenhum dos estudos incluídos em nossa revisão fez uso de qualquer técnica de anestesia regional. Do ponto de vista clínico, uma redução da necessidade de opioides pode ser mais importante do que apenas escores de dor. Novamente, os escores de dor registados somente em tempos específicos não representam a analgesia dos pacientes durante um período de tempo. Nenhum dos estudos relatou os níveis de satisfação dos pacientes.
Os dados relatados para dor crônica foram inadequados para qualquer conclusão.
A eficácia de pregabalina para reduzir a dor aguda no pós‐operatório foi avaliada em várias metanálises.15,42,43 Eipe et al.15 concluíram que pregabalina diminui o consumo de analgésicos após vários tipos de cirurgias, mas com efeito pequeno para melhorar o controle da dor e esse efeito foi observado principalmente em cirurgias associadas a mecanismos pró‐nociceptivos; por exemplo: coluna vertebral, artroplastia e amputações. Como a esternotomia e a retração do esterno envolvem o dano do nervo intercostal e a associada sensibilidade central e periférica, alodinia aguda e hiperalgesia ocorrem com frequência.10 Isso pode explicar o achado de escores de dor reduzidos com pregabalina em três dos ECRs incluídos.22,24,29 Dois ECRs22,24 que continuaram pregabalina (150mg.dia−1) no pós‐operatório demonstraram redução no consumo de opioides, enquanto os outros dois ECRs27,29 que usaram uma única dose de pregabalina (150mg) no pré‐operatório não encontraram qualquer redução. No caso de Sundar et al.,27 o poder de seu estudo não foi adequado para detectar diferenças nos escores de dor ou consumo de opioides. A ausência de efeito no outro estudo29 corrobora a conclusão de Schmidt et al.17 de que a administração continuada do fármaco no pós‐operatório provavelmente é mais eficaz do que uma única dose no pré‐operatório, embora contrariando o achado de Mishriky et al. em sua metanálise.42 Mishriky et al.42 não descobriram diferença significativa entre os regimes de dosagem única e múltipla, mas sua análise teve um componente significativo de heterogeneidade devido ao agrupamento de diferentes cirurgias e técnicas de anestesia. Essa contradição requer mais pesquisas nessa área. No entanto, devemos notar que o efeito do bypass cardiopulmonar sobre pregabalina não foi estudado. Em pelo menos um estudo22 houve melhoria da analgesia traduzida em melhora das taxas de pico do fluxo inspiratório avaliadas com espirometria de incentivo.
O aumento do tempo de ventilação mecânica após o uso de gabapentina pode ser devido a um efeito secundário bem conhecido de gabapentina; isto é, o aumento da sedação. Porém, o incremento é clinicamente insignificante: a diferença média é de apenas 0,81h (48min). Devemos lembrar que os estudos usam diferentes protocolos de extubação e desmame e esse resultado deve ser interpretado com cautela. Pregabalina não aumentou o tempo de ventilação mecânica. Ambos os fármacos não tiveram qualquer efeito sobre o tempo de permanência em UTI.
Apesar da crença popular, gabapentina mostrou aumentar a sedação em apenas um ECR. Nenhum dos estudos relatou efeitos adversos graves para gabapentina. Além disso, um estudo23 descobriu que gabapentina também pode reduzir a náusea no pós‐operatório. Isso não surpreende porque gabapentina também poder ter eficácia semelhante após craniotomia.36 Uma necessidade menor de morfina nos pacientes tratados com gabapentina pode ser responsável por isso. A incidência de sedação, depressão respiratória e náusea/vômito também não foi alterada com o uso de pregabalina. Essa ausência de efeitos secundários significativos pode ser explicada pelo uso de uma dose menor (150mg) do fármaco.
A relevância clínica de nossa revisão é que, apesar do pequeno número de estudos que relatam o benefício do uso de gabapentinoides no período perioperatório de cirurgia cardíaca, nossa análise não conseguiu corroborar qualquer eficácia clínica inequívoca, embora nenhum efeito adverso significativo tenha sido associado. Portanto, até o momento, não há uma forte evidência para apoiar o uso de gabapentina e pregabalina no período perioperatório em pacientes cirúrgicos cardíacos.
LimitaçõesA limitação mais importante de nossa revisão é a inclusão de um número limitado de estudos. Apesar da pesquisa extensiva nos banco de dados, apenas oito estudos puderam ser incluídos. Estudos individuais, embora bem desenhados, compreendem um pequeno número de pacientes. No futuro, um grande estudo clínico, controlado e randômico pode alterar nossa descoberta. Os protocolos de dosagem de gabapentina e pregabalina também são variados nos estudos. Os dados sobre dor crônica também são muito limitados.
ConclusãoAté o momento, as evidências não são suficientes para recomendar o uso rotineiro de gabapentina e pregabalina para reduzir o consumo de opioides em pacientes cirúrgicos cardíacos, principalmente para o controle de dor aguda no pós‐operatório.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
(“gabapentina” [Conceito Suplementar] OU “gabapentina” [Todos os campos]) E (“coração” [Termos MeSH] OU “coração” [Todos os campos] OU “cardíaca” [Todos os campos])(“gabapentina” [Conceito Suplementar] OU “gabapentina” [Todos os campos]) E (“esternotomia” [Termos MeSH] OR “esternotomia” [Todos os campos])
(“pregabalina” [Conceito Suplementar] OU (“pregabalina” [Todos os campos]) E (“coração” [Termos MeSH] OU “coração” [Todos os campos] OU “cardíaca” [Todos os campos]) (“pregabalina” [Conceito Suplementar] OU (“pregabalina” [Todos os campos]) E ((“esternotomia” [Termos MeSH] OU (“esternotomia” [Todos os campos])