Na artroscopia de ombro em regime ambulatorial, o paciente necessita de um bom controle da dor pós‐operatória, que pode ser conseguido por meio de bloqueios regionais. A dexametasona perineural pode prolongar o efeito desses bloqueios. O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito da dexametasona perineural quanto ao prolongamento do bloqueio sensitivo no período pós‐operatório para cirurgia artroscópica de ombro em regime ambulatorial.
MétodosApós aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa e consentimento informado, foram incluídos no estudo pacientes submetidos a cirurgia artroscópica de ombro sob anestesia geral e bloqueio de plexo braquial interescalênico guiado por ultrassonografia. Eles foram randomizados nos Grupo D – bloqueio com 30 mL de levobupivacaína 0,5% com vasoconstritor e 6 mg (1,5 mL) de dexametasona, e Grupo C – bloqueio com 30 mL de levobupivacaína 0,5% com vasoconstritor e 1,5 mL solução salina. A duração do bloqueio sensitivo foi avaliada em quatro momentos pós‐operatórios (0, 4, 12 e 24 horas), assim como a necessidade de analgesia de resgate, incidência de náuseas e vômitos e Escala Visual Analógica de Dor (EVA).
ResultadosSetenta e quatro pacientes foram randomizados e 71 completaram o estudo (Grupo C, n=37; Grupo D, n=34). Observou‐se um prolongamento do tempo médio de bloqueio sensitivo no Grupo D (1440±0 min vs. 1267±164 min; p <0,001). Pacientes do Grupo C apresentaram maior média de escore de dor de acordo com a EVA (2,08±1,72 vs. 0,02±0,17; p <0,001) e um maior número de pacientes solicitou analgesia de resgate nas primeiras 24 horas (68,4% vs. 0%; p <0,001). A incidência de náuseas e vômitos não foi estatisticamente significante.
ConclusãoA dexametasona perineural prolongou significativamente o bloqueio sensitivo da levobupivacaína no bloqueio de plexo braquial interescalênico, reduziu a intensidade de dor e a necessidade de analgesia de resgate pelo paciente no período pós‐operatório.
In shoulder arthroscopy, on an outpatient basis, the patient needs a good control of the postoperative pain that can be achieved through regional blocks. Perineural dexamethasone may prolong the effect of these blocks. The aim of this study was to evaluate the effect of perineural dexamethasone on the prolongation of the sensory block in the postoperative period for arthroscopic shoulder surgery in outpatient setting.
MethodsAfter approval by the Research Ethics Committee and informed consent, patients undergoing arthroscopic shoulder surgery under general anesthesia and ultrasound‐guided interscalene brachial plexus block were randomized into Group D – blockade performed with 30 mL of 0.5% levobupivacaine with vasoconstrictor and 6 mg (1.5 mL) of dexamethasone and Group C – 30 mL of 0.5% levobupivacaine with vasoconstrictor and 1.5 mL of 0.9% saline. The duration of the sensory block was evaluated in 4 postoperative moments (0, 4, 12 and 24 hours) as well as the need for rescue analgesia, nausea and vomiting incidence, and Visual Analog Pain Scale (VAS).
ResultsSeventy‐four patients were recruited and 71 completed the study (Group C, n=37; Group D, n=34). Our findings showed a prolongation of the mean time of the sensitive blockade in Group D (1440±0 min vs. 1267±164 min, p<0.001). It was observed that Group C had a higher mean pain score according to VAS (2.08±1.72 vs. 0.02±0.17, p <0.001) and a greater number of patients (68.4% vs. 0%, p <0.001) required rescue analgesia in the first 24 hours. The incidence of postoperative nausea and vomiting was not statistically significant.
ConclusionPerineural dexamethasone significantly prolonged the sensory blockade promoted by levobupivacaine in interscalene brachial plexus block, reduced pain intensity and rescue analgesia needs in the postoperative period.
A artroscopia de ombro é, atualmente, um dos procedimentos ortopédicos mais comuns, sendo realizada, em sua maioria, em regime ambulatorial. Cerca de 30% dos pacientes submetidos a artroscopia de ombro relatam dor de forte intensidade no primeiro dia pós‐operatório, necessitando frequentemente do uso de opioides para analgesia.1–4 Dessa forma, apresenta‐se como um desafio para o anestesiologista, uma vez que o manejo adequado da dor durante o período pós‐operatório inicial é um componente essencial para o sucesso do tratamento cirúrgico ambulatorial.1
Bloqueios regionais com anestésicos locais são comumente utilizados para reduzir a dor pós‐operatória de moderada a forte intensidade,5,6 proporcionando analgesia eficaz com efeitos colaterais mínimos em comparação à analgesia com opioides;2,7 entretanto, apresentam duração limitada quando realizados em injeção única.2,3,6,7 Com o intuito de prolongar o efeito analgésico, diversos fármacos têm sido estudados como adjuvantes desses bloqueios em injeção única, como epinefrina,8,9 opioides,10,11 quetamina11,12 e clonidina.13,14
A dexametasona, um glicocorticoide de longa duração e alta potência, tem demonstrado prolongar os efeitos de bloqueios de nervos periféricos quando adicionada a anestésicos locais.2–7,9,15–23 Esse efeito parece ser mediado por diversos mecanismos de ação, como vasoconstrição local e/ou efeito direto nos nervos periféricos,4 entretanto, seu uso em cirurgias em regime ambulatorial não está bem estabelecido, uma vez que a maioria dos estudos avaliou os pacientes durante um período maior de internação.7,20
A hipótese do presente estudo é de que a dexametasona altera a duração do bloqueio de plexo braquial interescalênico quando adicionada ao anestésico local. Dessa forma, o objetivo do estudo foi avaliar o efeito da dexametasona perineural quanto ao prolongamento do bloqueio sensitivo no período pós‐operatório de cirurgia artroscópica de ombro em regime ambulatorial quando comparado ao placebo.
MétodosTrata‐se de um estudo clínico prospectivo, randomizado, paralelo, duplo cego e controlado que foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local, conduzido de acordo com a Declaração de Helsinque e registrado na Plataforma Brasil sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE n° CAAE57509616.7.0000.5704). Este estudo foi também cadastrado no Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (ReBEC) sob o protocolo n° RBR‐5yv2xr. Todos os pacientes participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. A coleta de dados foi realizada de Janeiro a Julho de 2017 no Complexo Hospitalar Santa Genoveva e no Uberlândia Medical Center, ambos localizados na cidade de Uberlândia, Minas Gerais. O protocolo e o desenho do estudo, bem como seu relato, seguem as recomendações estabelecidas pelas Normas Consolidadas para Relatar Ensaios Clínicos (Consolidated Standards of Reporting Trials – CONSORT).
Critérios de inclusão e exclusãoPacientes submetidos a artroscopia de ombro para tratamento de ruptura de manguito rotador em regime ambulatorial foram recrutados para o estudo. Os critérios de inclusão adicionais foram: faixa etária adulta (idade entre 18 e 65 anos), estado físico 1 e 2da American Society of Anesthesiologists (ASA P1 e P2), Índice de Massa Corporal (IMC) <30 kg.m‐2 e de ambos os sexos.
Os pacientes foram excluídos do estudo quando apresentaram um ou mais dos seguintes critérios: infecção de pele no local da punção, coagulopatia, neuropatia do plexo braquial, uso sistêmico de corticoides, uso rotineiro de opioides, diabetes, doença pulmonar grave, doença psiquiátrica e intolerância a uma ou mais medicações do estudo.
Randomização e mascaramentoUtilizou‐se o algoritmo Mersenne Twister (MT19937) do software Microsoft Excel® 2016 para criar uma sequência numérica aleatória e randomizar a sequência entre os grupos C (Controle) e D (Dexametasona) na proporção de 1:1. Cada numeração foi impressa e inserida em um envelope opaco e selado.
A alocação em cada um dos grupos foi determinada na admissão em centro cirúrgico após a abertura do envelope. Foram registrados em uma tabela confidencial todos os pacientes participantes do estudo, sendo que cada linha era representada por um paciente com seus respectivos números de prontuário, números de alocação no estudo e grupo ao qual pertenceriam. O anestesiologista responsável pela admissão, abertura do envelope e preenchimento da ficha de registro era o mesmo que preparava a medicação do estudo. O anestesiologista que realizava o bloqueio não tinha conhecimento do grupo ao qual o paciente pertencia e era ele quem avaliava os desfechos do estudo. Os pacientes participantes não sabiam a qual grupo pertenciam.
Protocolo de intervençãoOs pacientes foram monitorizados com cardioscópio, oximetria de pulso, pressão arterial não invasiva, analisador de gases, capnografia e monitorização da profundidade anestésica com índice bispectral (BIS™, Medtronic, MN, EUA). A anestesia geral foi induzida com propofol 2 mg.Kg‐1, fentanil 2 mcg.Kg‐1, rocurônio 0,6 mg.Kg‐1 e lidocaína sem vasoconstritor 1 mg.Kg‐1. Foi mantida com infusão alvo‐controlada de propofol (concentração plasmática entre 1 e 4 mcg.mL‐1) e remifentanil em infusão contínua (0,1–0,3 mcg.Kg‐1.min‐1). Os pacientes foram intubados e ventilados com mistura oxigênio/óxido nitroso (50/50), com fluxo de gases frescos de 1 L.min‐1.
Após a indução da anestesia geral, foi realizada antissepsia no local da punção com clorexidina alcoólica 2%, localização do plexo braquial com abordagem interescalênica guiada por ultrassonografia (SonoSite NanoMaxx®, Bothel, WA, EUA) com transdutor linear de 13 MHz, punção com agulha 22G A50 (Stimuplex®, B. Braun, Melsungen AG, Alemanha) e injeção de 30 mL da solução anestésica perineural (2) e 1,5mL do fármaco de estudo, preparada em seringa separada de 3 mL de acordo com a randomização. No Grupo D foram injetados 30mL de levobupivacaína 0,5% (Novabupi®, Laboratório Cristália, RJ, Brasil) com vasoconstritor (adrenalina 1:200.000)+6 mg (1,5 mL) de dexametasona (Decadron®, Aché Laboratórios Farmacêuticos S.A., SP, Brasil), e no Grupo C 30 mL de levobupivacaína 0,5% com vasoconstritor (adrenalina 1:200.000)+1,5 mL de solução salina 0,9%.
Para realização da artroscopia de ombro, os pacientes foram colocados em posição de “cadeira de praia”. No intraoperatório, os pacientes foram medicados com dexametasona 4 mg e ondansetrona 4 mg para profilaxia de náuseas e vômitos. Associado ao bloqueio regional e visando abordagem multimodal da dor pós‐operatória, foram administrados por via sistêmica dipirona 2g e cetoprofeno 100 mg. Após o término do procedimento artroscópico, os pacientes foram desentubados e encaminhados para a Sala de Recuperação Pós‐Anestésica (SRPA).
Avaliação e desfechos pós‐operatóriosOs pacientes foram avaliados em quatro momentos pós‐operatórios: na Sala de Recuperação Pós‐Operatória (SRPA) e 4, 12 e 24 horas após o procedimento, quando o paciente recebia alta hospitalar. A duração do bloqueio sensitivo (em minutos) foi estabelecida como desfecho primário e avaliada por meio de teste com algodão embebido em solução alcoólica. A sensação de tato ou temperatura na região do ombro era questionada e, em caso de resposta positiva em pelo menos uma das duas, considerava‐se término do bloqueio sensitivo. Nos casos em que foram apresentadas queixas álgicas no intervalo das avaliações, este momento foi considerado como fim do bloqueio sensitivo. O término da injeção da solução de anestésico local foi considerado o momento zero para avaliação da duração do bloqueio.
Foram avaliados como desfechos secundários: intensidade da dor medida pela Escala Visual Analógica de Dor (EVA), incidência de Náuseas e Vômitos Pós‐Operatórios (NVPO), necessidade de analgesia de resgate nas primeiras 24 horas (iniciando com dipirona e cetoprofeno e, se necessário, tramadol) e índice de falha do bloqueio, caracterizado como queixa de dor ou sensibilidade inalterada no membro operado na sala de recuperação anestésica. Os pacientes foram orientados a solicitar analgésicos assim que começassem a sentir dor.
Os pacientes foram reavaliados pelo cirurgião sete dias após o procedimento quando foi avaliada a presença de qualquer alteração neurológica que pudesse ser atribuída à anestesia regional.
Cálculo amostral e análise estatísticaA amostra foi calculada considerando‐se uma duração média do bloqueio de 730 minutos com anestésico local de longa ação e um efeito de 75% do prolongamento do bloqueio sensitivo com a adição da dexametasona, conforme encontrado em publicação anterior,4 com erro alfa de 5% e poder do teste de 80%. Para isso, foram necessários 34 participantes por grupo na análise bicaudal. Considerando possíveis perdas e desistências de 10% dos participantes, a amostra foi calculada para 74 participantes.
Para avaliar a normalidade da distribuição das variáveis estudadas, foi utilizado o teste de D’Agostino. Para comparar a duração do bloqueio sensitivo, peso, idade e índice de massa corporal, utilizamos o teste t de Student para amostras independentes. Para a variável EVA, a comparação entre grupos foi feita utilizando o ajuste em um modelo linear generalizado com distribuição de Poisson, seguido do teste de comparação múltipla de Wald. Para comparação das proporções sexo, classificação ASA, incidência de NVPO e analgesia de resgate foi utilizado o teste de Qui‐Quadrado ou exato de Fisher. As variáveis quantitativas estão expressas em média±desvio padrão. As variáveis categóricas nominais foram expressas em valores absolutos (percentual válido). Foi considerado como nível de significância estatística p <0,05. O software SAS, versão 9.3, foi utilizado para análise estatística de dados.
ResultadosSetenta e quatro pacientes foram randomizados e 71 completaram o estudo, sendo 34 pacientes no Grupo D e 37 pacientes no Grupo C. Foram excluídos da análise 3 pacientes do Grupo D por violação do protocolo. Os detalhes da condução do estudo estão mostrados na figura 1. Os dados demográficos basais dos pacientes estão apresentados na tabela 1 e não foram diferentes entre os grupos.
Características basais da população estudada
Variáveis | Grupo C(n=37) | Grupo D(n=34) | Valor de p |
---|---|---|---|
Idade (anos) | 47,2±13 | 50,7±11 | 0,25a |
Gênero (F/M) % | 46 / 54 | 59 / 41 | 0,70b |
Peso (Kg) | 70,4±11 | 65,4±11 | 0,16a |
IMC | 27,2±4,0 | 27,4±5,2 | 0,73a |
Estado físico ASA | 0,97b | ||
I | 23 (62,1) | 21 (61,7) | |
II | 14 (37,9) | 13 (38,3) |
Os valores estão expressos como médias±desvio padrão e número (%). IMC, Índice de Massa Corporal; ASA, American Society of Anesthesiologists; F, feminino; M, masculino; Grupo C, Grupo Controle; Grupo D, Grupo Dexametasona.
Realizou‐se análise univariada e, para as variáveis que apresentaram significância (p <0,01), foi utilizada a análise multivariada. Isso objetivou controlar os possíveis confundidores dos resultados. No modelo estudado, a única variável significante foi o tempo de bloqueio sensitivo (r2=0,56; p <0,001). Para avaliar o fator protetor da dexametasona na dor, calculamos a Razão de Chances de 0.008 com Intervalo de Confiança (IC) de 0.0005–0.1408 (p <0,001).
Os achados do estudo demonstraram um prolongamento do tempo médio de bloqueio sensitivo no Grupo D (p <0,001) (tabela 2; fig. 2). O Grupo C apresentou maior média de escore de dor na avaliação de 24 horas (p <0,001) (tabela 2; fig. 3). Nas avaliações de 0, 4 e 12 horas nenhum paciente do estudo queixou‐se dor. A incidência de NVPO foi maior no Grupo C, mas não foi estatisticamente significante (p=0,16) (tabela 2). No Grupo C, 24 pacientes (68,4%) necessitaram de pelo menos uma dose de analgesia de resgate, já no Grupo D, nenhum paciente solicitou analgesia no pós‐operatório (p <0,001) (tabela 2).
Distribuição dos desfechos estudados entre os grupos
Desfechos | Grupo C(n=37) | Grupo D(n=34) | Valor de p |
---|---|---|---|
Duração do Bloqueio Sensitivo (min) | 1267±164 | 1440±0 | <0,001a |
EVA na avaliação de 24 horas | 2,08±1,72 | 0,02±0,17 | <0,001b |
Analgesia resgate | 24 (68,4) | 0 (0) | <0,001c |
NVPO | 2 (5,4) | 0 (0) | 0,16d |
Os valores estão expressos como médias±desvio padrão e número (%). EVA, Escala visual analógica de dor; NVPO, Náuseas e vômitos pós‐operatórios; Grupo C, Grupo Controle; Grupo D, Grupo Dexametasona.
Não houve nenhum caso de falha do bloqueio dentre os pacientes relacionados nos dois grupos. Após sete dias, em consulta de retorno com o cirurgião, nenhum paciente apresentou qualquer alteração ou queixa neurológica que pudesse ser atribuída à anestesia regional.
DiscussãoOs resultados do presente estudo mostram que a dexametasona perineural prolonga significativamente o tempo médio de bloqueio sensitivo promovido pela levobupivacaína no bloqueio de plexo braquial interescalênico, o que corrobora com achados semelhantes da literatura2–9,15–23 em que a dexametasona prolongou em até 720 minutos o efeito do anestésico local.7
Acredita‐se que os glicocorticoides produzam modesta vasoconstrição local, o que poderia reduzir a absorção do anestésico local, consequentemente, prolongando o tempo de contato do anestésico local com o nervo e, dessa forma, prolongando o bloqueio sensitivo.15 Outra teoria é que a dexametasona possua seus efeitos analgésicos mediados pelo aumento da atividade de canais de potássio inibitórios nas fibras C nociceptivas.15
Observou‐se também redução da intensidade da dor, avaliada pela EVA, e menor consumo de analgesia de resgate no grupo da dexametasona durante a internação. Esses achados estão em concordância com a literatura, na qual o uso da dexametasona foi associada com redução do uso cumulativo de opioide5,7 e menores escores de dor5,7,22 durante as primeiras 24 horas após a cirurgia.
A melhora da analgesia com o uso da dexametasona em cirurgias de ombro2‐7,9,15‐24 foi observada independentemente da via de administração desse fármaco, seja intravenosa2,3,17,19,21,24 ou perineural.4‐7,9,15,16,18,20,22,23 No presente estudo, os menores escores de intensidade de dor no grupo da dexametasona podem ser atribuídos tanto pela maior dose cumulativa de dexametasona usada nesse grupo como pela duração aumentada do bloqueio sensitivo. Entretanto, o aumento da duração do bloqueio sensitivo, testado por meio de teste térmico e tátil, não pode ser explicado pelos possíveis efeitos sistêmicos da dexametasona, evidenciando um efeito real desse fármaco em prolongar o efeito do anestésico local.
Até o momento, a dexametasona parece ser o melhor método, como adjuvante, para prolongar o bloqueio sensitivo, superior a clonidina, epinefrina ou midazolam.9,25 Além disso, seu perfil de segurança é promissor, com baixo risco de neurotoxicidade.22 Em pacientes diabéticos, seu uso perineural não altera significativamente os níveis glicêmicos, uma vez que a hiperglicemia induzida por esteroides foi confirmada apenas em regimes com altas doses de dexametasona intravenosa.22 Nenhum paciente deste estudo apresentou sinais ou sintomas de neurotoxicidade atribuíveis à dexametasona, embora o tamanho da amostra tenha sido insuficiente para detectar resultados raros e os pacientes não foram acompanhados além de sete dias, quando foi feita a última avaliação durante a consulta de retorno com o cirurgião.
Com relação à NVPO, após 24 horas de pós‐operatório, estudos mostraram que essa complicação é reduzida nos pacientes em que se usa dexametasona como adjuvante perineural.5,22 Neste estudo, a incidência de NVPO no Grupo D foi menor em concordância com a literatura, entretanto, não apresentou significância estatística devido à sua baixa ocorrência. Esse efeito pode ser atribuído à maior dose cumulativa da dexametasona no grupo de intervenção, entretanto, o estudo não foi desenhado para detectar tal diferença.
A maior limitação do estudo foi a restrição do seguimento dos desfechos dos pacientes no período de 24 horas devido ao caráter ambulatorial do procedimento cirúrgico. Neste contexto, todos os pacientes do grupo da dexametasona receberam alta ainda com bloqueio sensitivo, totalizando um período de 1440 minutos (24 horas). Esse fato impediu a avaliação do tempo real de bloqueio sensitivo nos pacientes que receberam dexametasona perineural, que poderia ser ainda maior do que o observado. Outra limitação do estudo foi o uso concomitante de dexametasona intravenosa em ambos os grupos na dose de 4 mg como estratégia para reduzir náuseas e vômitos. Essa conduta pode ter aumentado o tempo de analgesia no grupo controle e, consequentemente, aumentado falsamente as médias de bloqueio sensitivo no mesmo grupo, uma vez que, no intervalo entre as avaliações, o fim do bloqueio sensitivo era considerado o momento em que o paciente solicitasse analgesia de resgate.
Além de prolongar o tempo de bloqueio sensitivo, o presente estudo mostrou que o uso da dexametasona perineural para bloqueios em injeção única é uma estratégia interessante para evitar o uso de analgésicos de resgate em cirurgias de regime ambulatorial, uma vez que nenhum paciente do Grupo D, da dexametasona perineural, necessitou de medicação para controle de dor durante a internação. A ausência de sinais de neurotoxicidade ou complicações associadas com o uso da dexametasona corrobora com a segurança do seu uso nesse cenário. Este estudo também testou uma nova dose de dexametasona perineural de 6mg, que ainda não havia sido descrita na literatura até o momento do estudo, o que também permite fornecer ao paciente uma dose intravenosa profilática mínima de dexametasona para náuseas e vômitos.
Apesar do seguimento a curto prazo, o presente estudo serve como base para, em futuras investigações em cirurgias sob regime ambulatorial, determinar o tempo exato de prolongamento do bloqueio sensitivo da dexametasona perineural, reduzir custos associados ao menor consumo de analgesia de resgate e a incidência de possíveis efeitos colaterais, como neurotoxicidade tardia.
ConclusãoA dexametasona perineural, como um adjuvante à levobupivacaína, se mostrou capaz de prolongar o componente sensitivo do bloqueio de plexo braquial em cirurgia artroscópica de ombro em regime ambulatorial. Seu uso reduziu a intensidade da dor e a necessidade de analgesia de resgate pelo paciente no período pós‐operatório.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Instituição: Complexo Hospitalar Santa Genoveva, Uberlândia, MG, Brasil.