Náusea e Vômito no Pós‐Operatório (NVPO) é uma complicação multifatorial com etiologia não esclarecida. A técnica anestésica, as características dos pacientes e o tipo de cirurgia são considerados fatores que afetam a NVPO. O presente estudo foi desenhado para comparar o efeito da anestesia inalatória com anestesia intravenosa na incidência e gravidade de NVPO na cirurgia abdominal.
MétodoFoi realizado estudo clínico mono‐cego prospectivo randomizado com 105 pacientes com idades de 18−65 anos. Os pacientes foram divididos em dois grupos, Anestesia Total Intravenosa (TIVA) e anestesia inalatória. A incidência e gravidade de NVPO foram avaliadas em cinco momentos: 0, 2, 6, 12 e 24 horas pós‐cirurgia. O uso de antiemético de resgate também foi avaliado.
ResultadosNVPO ocorreu em 50,9% dos pacientes no grupo inalatória e 17,3% dos pacientes no grupo TIVA (p <0,001). A incidência de vômitos relatados foi 11,3% no grupo Inalatória e 3,8% no grupo TIVA (p=0,15). Necessitaram de medicação antiemética 24,5% dos pacientes no grupo Inalatória e 9,6% dos pacientes no grupo TIVA (p=0.043).
ConclusãoA incidência de náusea e vômito no pós‐operatório, a necessidade de administração de droga antiemética de resgate e a gravidade da náusea foram significantemente mais baixas no grupo TIVA.
Postoperative Nausea and Vomiting (PONV) is a multifactorial surgical complication with an unclear underlying cause. Anesthetic methods, patients’ characteristics and the type of surgery are considered as factors affecting PONV. This study was designed to compare the effect of inhalational and intravenous anesthesia in abdominal surgery on the incidence and severity of PONV.
MethodsA single‐blinded prospective randomized clinical trial on 105 patients aged 18−65 years was carried out. Patients were divided in two groups of Total Intravenous Anesthesia (TIVA) and Inhalational anesthesia. The incidence and severity of PONV were examined at 0, 2, 6, 12, and 24hours after the surgery. The use of a rescue antiemetic was also evaluated.
ResultsFifty point nine percent of the patients in the inhalation group and 17.3% of the patients in the intravenous group developed PONV (p <0.001). The incidence of vomiting was reported in 11.3% of the Inhalational group and 3.8% of the TIVA group (p=0.15), and 24.5% of patients in the Inhalation group and 9.6% of patients in the intravenous group needed an antiemetic medication (p=0.043).
ConclusionThe incidence of postoperative nausea and vomiting and the need for administration of an antiemetic rescue drug, and the severity of nausea in patients were significantly lower in the TIVA group.
Estudos mostram que Náusea e Vômito no Pós‐Operatório (NVPO) são uma das complicações cirúrgicas mais temidas e que causam sensação desagradável e insatisfação nos pacientes, até mais do que dor.1–4 Embora a causa exata de NVPO não seja clara, parece ser uma complicação multifatorial.5–9
Ocasionalmente, a cirurgia laparoscópica pode ser complicada ou convertida em laparotomia devido a condições cirúrgicas inadequadas. Nesses casos, a administração de doses aumentadas de anestésico inalatório ou intravenoso, bem como maior trauma cirúrgico, aumentam o risco de complicações como a NVPO proporcionalmente ao aumento da duração da cirurgia. A laparotomia requer técnicas de anestesia que possam mitigar os efeitos indesejáveis e aumentar a satisfação do paciente.
Anestesia geral pode ser realizada com anestésicos inalatórios ou intravenosos. A anestesia intravenosa com propofol e alfentanil é cada vez mais usada em cirurgias ambulatoriais devido aos impactos comprovadamente efetivos no tempo de recuperação, NVPO e dor.10,11 Não se encontra evidência adequada em meta‐análises quanto ao efeito do propofol e alfentanil na diminuição de NVPO.12 Neste estudo, o uso de propofol para anestesia intravenosa e isoflurano para anestesia inalatória são avaliados comparando‐se o efeito das duas técnicas de anestesia quanto á incidência e gravidade de NVPO em pacientes submetidos a laparotomia.
MétodoApós aprovação pelo comitê de ética da Tehran University of Medical Sciences (aprovação ID: IR.TUMS.IKHC.REC.1397.076), o estudo foi realizado como unicego prospectivo. O estudo foi conduzido de acordo com a declaração de Helsinki. Foram incluídos pacientes com idades entre 18 e 65 anos, American Society of Anesthesiologists (ASA) estado físico I e II, a serem submetidos a laparotomia eletiva no Imam Khomeini Hospital Complex, Teerã. Os dados foram coletados entre Agosto de 2018 e Maio de 2019. Foram excluídos pacientes com história de enjoo de movimento ou NVPO e os que não se dispuseram a cooperar. O protocolo do estudo foi explicado e todos os pacientes assinaram termo de consentimento. O estudo foi registrado no registro de estudos clínicos com ID: IRCT20190904044685N1 (https://www.irct.ir/trial/41928).
De acordo com estudo similar,13 a incidência encontrada de NVPO foi 30% no grupo Inalatória. De acordo com os parâmetros α=0,05, β=0,11, P1=0,3 e P2=0,05; utilizando a fórmula padronizada; e considerando 10% adicionais para compensar perda de participantes, o tamanho de amostra deste estudo foi calculado para 50 pacientes por grupo.
A randomização no nível individual usou 4 blocos de números criados no software Excel. A alocação foi realizada garantindo a condição cega. O paciente era cego ao tipo de anestesia. O pesquisador e o anestesiologista (PI) não estavam na condição cega ao grupo de estudo dos participantes. Assim, o estudo foi conduzido de forma mono‐cega. Os indivíduos que coletaram e analisaram os dados, entretanto, permaneceram na condição cega.
Ao entrar na sala de cirurgia, os pacientes foram submetidos a monitorização padrão. Os pacientes receberam 0,02 mg.kg‐1 de midazolam e 2 μg.kg‐1 de fentanil por via intravenosa como medicação pré‐anestésica. A anestesia geral foi induzida com 5 mg.kg‐1 de tiopental sódico por via intravenosa como principal droga anestésica, e 0.5 mg.kg‐1 atracúrio foi usado como relaxante neuromuscular. No grupo de inalatória; 1,5−1,7% de isoflurano em combinação com 1 mL de fentanil e 1 mL de atracúrio foram usados a cada 45−60 minutos durante a cirurgia. No grupo Intravenosa, 50 mL de propofol a 1% foram combinados a 1−2 mL de remifentanil e foram infundidos intravenosamente na velocidade de 15−20 mL.h‐1. Dependendo da necessidade do paciente e duração da cirurgia, a dosagem era alterada em±5 mL.
A incidência de NVPO durante as primeiras 24 horas pós‐cirurgia foi avaliada como desfecho principal. A incidência e gravidade de náusea e vômito foram avaliadas pelos métodos verbal e visual usando VAS nos 5 momentos do estudo na sala de recuperação: hora zero, 2, 6, 12 e 24 horas após a cirurgia. Os escores VAS avaliaram a gravidade de NVPO, com 0 significando sem náusea e vômitos e 10 significando a maior gravidade de náusea e vômitos já vivenciada pelo paciente. O questionário contendo os dados registrados dos pacientes foi adotado,14 traduzido e modificado com base no objetivo e metas do presente estudo. Por outro lado, a incidência de complicações foi controlada pela administração intravenosa de drogas antieméticas com base na necessidade de cada paciente, com dose única de 4 mg de ondansetrona. Nenhum efeito colateral adicional relacionado a intervenções anestésicas foi observado até o fim do estudo.
Os dados são apresentados como média e Desvio‐Padrão (DP), ou mediana e valores máximo e mínimo. Dados demográficos e perioperatórios foram comparados pelo teste t de Student. A comparação entre os grupos foi realizada com o teste t pareado e não pareado. As incidências foram analisadas pelo teste exato de Fisher, sistemas de escore foram analisados com o teste de Wilcoxon rank‐sum. Todos os dados foram verificados quanto à distribuição normal com o teste de Kolmogorov‐Smirnov. Valor de p abaixo de 0,05 foi considerado como nível para significância estatística. As análises estatísticas foram calculadas usando SPSS versão 21. (SPSS Inc., Chicago, Illinois).
ResultadosForam incluídos no estudo um total de 112 pacientes que obedeceram aos critérios de inclusão. Como 3 pacientes apresentavam história pregressa de NVPO, 2 pacientes apresentavam história de reação ao fármaco e dois pacientes não quiseram continuar sua participação, 7 pacientes foram excluídos do estudo. No final, havia 105 pacientes incluídos no estudo. O grupo Inalatória foi formado por 53 (50,47%) pacientes que receberam anestesia inalatória, e o grupo TIVA foi formado de 52 (49,53%) que receberam anestesia intravenosa. O diagrama de fluxo (CONSORT) do estudo é apresentado na figura 1.
O número de pacientes com sintomas de náusea ou vômitos antes da cirurgia não foi significantemente diferente entre os dois grupos, com um total de 9 pacientes no grupo Inalatória (16,3%) e 11 pacientes no grupo TIVA (22%) (p=0,11). As características demográficas dos grupos são descritas na tabela 1.
Características demográficas dos grupos de estudo
Grupos variáveis | Inalatória (n=53) | TIVA (n=52) |
---|---|---|
Idade (anos) | 46,4 (12,31) | 46,65 (13,28) |
Gênero | ||
Masculino | 28 (52,8) | 27 (51,9) |
Feminino | 25 (47,2) | 25 (48,1) |
IMC (kg.m‐2) | 26,28 (3,74) | 25,28 (4,27) |
ASA | ||
I | 34 (64,2) | 34 (65,4) |
II | 19 (35,8) | 18 (34,6) |
N/V Antes da Cirurgia | 9 (16,3) | 11 (22) |
História Cirúrgica | 23 (43,4) | 29 (55,8) |
Tabagismo | 14 (26,4) | 15 (28,8) |
TIVA, Anestesia Intravenosa Total; n, Número; IMC, Índice de Massa Corporal; ASA, American Society of Anesthesiologists; N/V, Náusea ou Vômito. Dados apresentados como média (DP) ou contagem (proporção).
A incidência total de NVPO na população do estudo foi 36 em 105 pacientes (34,3%). Vinte e sete pacientes (50,9%) do grupo Inalatória e 9 pacientes do grupo TIVA apresentaram NVPO (17,3%). A diferença observada entre os grupos de estudo foi estatisticamente significante (p <0,001). Diferença significante também foi observada na incidência de náusea sem vômito entre os dois grupos (p=0,002). A necessidade de administração de antiemético de resgate também foi diferente entre os dois grupos. Treze pacientes do grupo Inalatória (24,5%) precisaram de intervenção médica para controlar os vômitos, enquanto 5 pacientes do grupo TIVA (9,6%) precisaram de medicação antiemética (p=0,043). A incidência de náusea, vômito, NVPO e prescrição de antieméticos pode ser encontrada em detalhe na tabela 2.
Incidência de NVPO
Complicações | Inalatória (n=53) | TIVA (n=52) | Total (n=105) | Valor de p |
---|---|---|---|---|
Náusea | 21 (39,6) | 7 (13,5) | 28 (26,7) | 0,002 |
Vômitos | 6 (11,3) | 2 (3,8) | 8 (7,6) | 0,15 |
NVPO | 27 (50,90) | 9 (17,3) | 36 (34,3) | ˂ 0,001 |
Antiemético | 13 (24,5) | 5 (9,6) | 18 (17,1) | 0,043 |
NVPO, Náuseas e Vômitos no Pós‐Operatório; TIVA, Anestesia Intravenosa Total; n, Número. Dados apresentados como números (proporção).
Em nosso estudo, a gravidade média da náusea com base na EVA foi significantemente menor no grupo Intravenosa quando comparado ao grupo Inalatória, em todos os momentos de estudo, de 0 a 24 horas após a cirurgia (p=0,03). A diferença, entretanto, foi só marginalmente significante do ponto de vista estatístico com relação à incidência de NVPO nos 5 momentos estudados (p=0,07) (tabela 3).
Incidência e gravidade de NVPO nos momentos estudados
Tempo/ Grupos | 0h | 2h | 6h | 12h | 24h | Valor de p | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Intra grupo | Entre grupos | ||||||
NVPO | |||||||
Inalátoria (n=53) | 21 (39,6) | 19 (35,8) | 10 (18,9) | 4 (7,5) | 9 (17) | <0,001 | 0,07 |
TIVA (n=52) | 7 (13,5) | 5 (9,6) | 3 (5,8) | 2 (3,8) | 1 (1,9) | 0,002 | |
EVA | |||||||
Inalatória (n=53) | 1,7 (2,46) | 1,72 (2,7) | 0,76 (1,77) | 0,34 (0,3) | 0,49 (1,27) | <0,001 | 0,03 |
TIVA (n=52) | 0,52 (1,6) | 0,46 (1,58) | 0,31 (1,46) | 0,15 (0,98) | 0,04 (0,28) | <0,001 |
NVPO, Náuseas e Vômitos no Pós‐Operatório; n, Número; TIVA, Anestesia Intravenosa Total; EVA, Escala Visual Analógica. Dados apresentados como Média (DP) ou números (proporção).
As mudanças na gravidade de NVPO nos 5 momentos divididos por grupo de estudo são apresentadas na figura 2.
DiscussãoA incidência de NVPO tem variado entre 10% e 63% em estudos diferentes, em populações diferentes e tipos diferentes de procedimentos cirúrgicos.1‐7,15‐18 No estudo de Rohm et al.,19 a incidência de NVPO foi 0% no grupo TIVA e 33,35% no grupo Inalatória. Somente 8% dos pacientes no grupo Inalatória precisou de medicação antiemética. No estudo de Kim et al.,20 a incidência de NVPO foi 14,6% no grupo TIVA e 51,3% no grupo Inalatória. A quantidade de medicação antiemética administrada também foi relatada como 4,2% no grupo TIVA e 25,6% no grupo Inalatória. Os resultados de ambos os estudos estão de acordo com o atual estudo, que mostrou incidência de NVPO significantemente menor nos pacientes submetidos a anestesia intravenosa quando comparada aos submetidos a anestesia inalatória.
Entretanto, no estudo de Visser et al.,21 a diferença entre anestesia intravenosa e inalatória em termos de incidência de NVPO e a necessidade de medicação antiemética não foi significante. Como NVPO é complicação multifatorial e depende de condição do paciente, anestesia e cirurgia, são esperados alguns níveis de diferença nas taxas de incidência relatadas. A comparação entre os diferentes grupos e diferentes estudos deve ser realizada considerando condições equivalentes para reduzir fatores de confusão e de causas biológicas. Embora existam estudos com resultados que concordam com os do nosso, devido ao número limitado de estudos com metodologia semelhante ao nosso, comparação mais precisa de nossos resultados com os de outros estudos não pode ser realizada.
Nos estudos de Akkurt et al.10 e de Gashi et al.,22 juntamente com o presente estudo, o nível de gravidade de NVPO (com base na EVA) até 24 horas após cirurgia foi significantemente menor nos pacientes submetidos a anestesia intravenosa em comparação à inalatória. Por outro lado, Kim et al.20 relataram diferença não estatisticamente significante entre os dois métodos de anestesia, apesar da faixa mais baixa de EVA em pacientes submetidos a anestesia intravenosa. As diferenças nas características da população de estudo, incluindo tamanho da população, fatores demográficos e tipo de cirurgia – que são diferentes do presente estudo – talvez seja o agente causal da diferença observada na significância da gravidade de NVPO em população estatisticamente diferente.
Levando em consideração os estudos acima mencionados e os resultados obtidos no presente estudo, podemos afirmar que o efeito dos diferentes métodos de anestesia na incidência de NVPO e na necessidade de readministração de droga antiemética de resgate, na gravidade da náusea nos pacientes e na frequência de administração de opioide analgésico são altamente dependentes de condição do paciente, tipo de cirurgia, tipo e duração da anestesia, e assim por diante. Devido aos efeitos irreversíveis dessa complicação nos pacientes, especialmente após neurocirurgia e cirurgia abdominal aberta, é importante determinar a técnica apropriada e suas formas de aplicação para responder às necessidades de base para conduzir estudos futuros e também para usar diferentes associações estatísticas em diferentes condições.
Gostaríamos de abordar uma limitação potencial do nosso estudo, no qual comparamos a incidência e gravidade de NVPO em laparotomia eletiva. Dado que a incidência e gravidade de NVPO podem ser afetadas pelo tipo de cirurgia como também o tipo de anestesia, os resultados podem ter apresentado, até certo ponto, viés por não considerar a doença de base e o tipo exato de cirurgia. Nesse sentido, sugerimos que mais estudos avaliando náusea e vômito no pós‐operatório com relação à doença de base poderiam resultar em desfechos mais precisos.
ConclusãoConcluindo, observamos o efeito bem‐sucedido de propofol usado em TIVA em comparação com isoflurano usado no método inalatório de anestesia na diminuição da ocorrência e gravidade de NVPO em laparotomias, resultando em necessidade reduzida de medicação antiemética de resgaste. Níveis mais baixos de NVPO também levam a melhor satisfação pós‐operatória para os pacientes e equipe médica, limitando também mais complicações. Recomendamos o uso desse método de anestesia, especialmente em pacientes com maior risco de desenvolver NVPO, para melhor controlar o período de recuperação pós‐operatório.
Mensagens‐chaveA anestesia intravenosa com propofol apresentou redução estatisticamente significante na ocorrência, gravidade e necessidade de medicação antiemética de resgate para náusea e vômito no pós‐operatório após laparotomia eletiva, quando comparada à anestesia inalatória.
FinanciamentoEste projeto foi financiado pela Tehran University of Medical Sciences.
Registro RCTEste estudo foi registrado no Iranian Registry of Clinical Trials sob ID: IRCT20190904044685N1.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Os autores cujos nomes estão listados gostariam de agradecer à equipe do centro de estatística do Imam Khomeini Hospital Complex pelo apoio e assistência na coleta e análise dos dados.