Diversas complicações das vias aéreas podem ocorrer durante a artroscopia do ombro, incluindo obstrução das vias aéreas, punção pleural e enfisema subcutâneo. Levantou‐se a hipótese de que o fluido de irrigação utilizado durante artroscopia do ombro possa aumentar a pressão do balonete do tubo endotraqueal, podendo causar edema e lesão isquêmica na mucosa traqueal. Portanto, este estudo teve como objetivo avaliar a relação entre o fluido de irrigação e a pressão do balonete do tubo endotraqueal.
MétodosParticiparam do estudo 40 pacientes com idades entre 20 e 70 anos com classificação do estado físico I ou II da American Society of Anesthesiologists (ASA), programados para cirurgia artroscópica do ombro, eletiva e sob anestesia geral. Registramos as pressões do balonete do tubo endotraqueal e as circunferências do pescoço a cada hora, a partir do início da cirurgia. Também registramos a duração anestésica e cirúrgica, assim como o volume total de líquido de irrigação empregado.
ResultadosFoi encontrada correlação positiva entre a pressão do balonete do tubo endotraqueal e a quantidade de líquido de irrigação (r = 0,385; 95% IC 0,084 a 0,62; p = 0,0141). A pressão do balonete do tubo endotraqueal registrou aumento significante 2 e 3 horas após o início da cirurgia (p = 0,0368 e p = 0,0245, respectivamente). No entanto, a circunferência do pescoço não mostrou diferença significante.
ConclusõesAs pressões do balonete do tubo endotraqueal aumentaram com o tempo de cirurgia e com o aumento do volume de líquido de irrigação utilizado em pacientes submetidos a artroscopia do ombro. Recomendamos a monitorização rigorosa da pressão do balonete do tubo endotraqueal durante artroscopia do ombro, especialmente nos procedimentos longos em que grandes volumes de fluido de irrigação são empregados, para evitar complicações causadas por pressões elevadas do balonete.
Several airway complications can occur during shoulder arthroscopy including airway obstruction, pleural puncture, and subcutaneous emphysema. It was hypothesized that the irrigation fluid used during a shoulder arthroscopic procedure might increase the cuff pressure of the endotracheal tube, which can cause edema and ischemic damage to the endotracheal mucosa. Therefore, this study aimed to evaluate the relationship between irrigation fluid and endotracheal tube cuff pressures.
MethodsForty patients aged 20 to 70 years with an American Society of Anesthesiologists (ASA) score I or II, scheduled for elective arthroscopic shoulder surgery under general anesthesia, participated in our study. We recorded endotracheal tube cuff pressures and neck circumferences every hour from the start of the operation. We also recorded the total duration of the anesthesia, operation, and the total volume of fluid used for irrigation.
ResultsA positive correlation was shown between endotracheal tube cuff pressures and the amount of irrigation fluid (r = 0.385, 95% CI 0.084 to 0.62, p = 0.0141). The endotracheal tube cuff pressure significantly increased at 2 and 3hours after starting the operation (p = 0.0368 and p = 0.0245, respectively). However, neck circumference showed no significant difference.
ConclusionsEndotracheal tube cuff pressures increased with operation time and with increased volumes of irrigation fluid used in patients who underwent shoulder arthroscopy. We recommend close monitoring of endotracheal tube cuff pressures during shoulder arthroscopy, especially during long operations using a large amount of irrigation fluid, to prevent complications caused by raised cuff pressures.
A artroscopia do ombro é um procedimento habitual e é indicado no diagnóstico e tratamento de doenças do ombro.1 Mais de 500.000 procedimentos são realizados anualmente nos Estados Unidos.1 A incidência de complicações descrita é baixa, ou seja 1%, e há relatos de complicações importantes, incluindo lesão do plexo braquial, pneumotórax e pneumomediastino.2 Em casos raros, o fluido de irrigação administrado na articulação do ombro pode causar obstrução das vias aéreas letal e enfisema subcutâneo.3
Nos pacientes submetidos a artroscopia do ombro sob anestesia geral, a intubação do Tubo Endotraqueal (TET) é realizada para o emprego da ventilação mecânica. Na profilaxia de complicações associadas à elevada pressão do balonete do TET, recomenda‐se pressão do balonete entre 20 e 30 mmH2O. Adequada pressão do balonete minimiza complicações como aspiração pulmonar.4–6 No entanto, a pressão do balonete pode ser modificada por vários fatores, dependendo do procedimento/cirúrgico e do tempo de cirurgia. Com o aumento da pressão do balonete, podem ocorrer edema e lesão isquêmica da mucosa traqueal devido à compressão da parede da traqueia. Essas são as principais causas de desconforto na garganta pós‐intubação com TET.7
Nenhum estudo anterior relatou a relação entre a pressão do balonete do TET e a quantidade de fluido de irrigação empregado durante artroscopia do ombro. Portanto, tivemos como objetivo analisar a relação entre a pressão do balonete do TET e a quantidade de fluido de irrigação utilizado durante a artroscopia do ombro em pacientes entubados sob anestesia geral.
MétodosEste é um estudo de coorte única e o protocolo do estudo foi aprovado pelo Conselho de Revisão Institucional da Faculdade de Medicina do Inje University Seoul Paik Hospital (IIT‐2014‐192) e está de acordo com a Declaração de Helsinque. Os participantes forneceram consentimento informado por escrito.
Foram incluídos 40 pacientes adultos de 20 a 70 anos, com status físico ASA I ou II a serem submetidos a artroscopia eletiva do ombro. Foram excluídos pacientes a serem submetidos a procedimento cirúrgico de emergência; pacientes com via aérea difícil (escore de Mallampati ≥ 3), com alto risco de aspiração pulmonar durante a cirurgia; infecção do trato respiratório superior no período de 2 semanas anteriores a cirurgia; doença pulmonar obstrutiva crônica ou asma, com tosse crônica com duração superior a 3 semanas; e fumantes.
Antes de iniciar a anestesia geral, a monitorização incluiu Pressão Arterial Não Invasiva (PANI), Eletrocardiograma (ECG), oximetria de pulso, Índice Bispectral (BIS), Débito Cardíaco (DC) e Variação do Volume Sistólico (VVS) usando Flo TracTM. Para a indução anestésica, foram administrados propofol 2mg.kg‐1 e rocurônio 0,6mg.kg‐1. A intubação traqueal foi realizada usando tubo endotraqueal tamanho 7 para mulheres e 7,5 para homens.8 A pressão do balonete foi medida com manômetro, e o balonete do tubo endotraqueal foi insuflado com ar até a menor pressão suficiente para evitar vazamentos durante a ventilação mecânica (pressão máxima de 40 cmH2O). O paciente teve a posição supina modificada para a posição de “cadeira de praia” com os sinais vitais permanecendo estáveis. O paciente foi mantido sob anestesia geral e ventilação mecânica empregando‐se desflurano (concentração entre 4% e 10%) e administração de remifentanil (0,05–0,1 mcg.kg‐.min‐1) durante a cirurgia. O BIS foi mantido entre 40 e 60. O fluxo de gás fresco consistiu de 1,5L de mistura Ar:O2. A pressão da bomba de irrigação da artroscopia (bomba 10k®, CONMED) foi ajustada para 60mmHg e empregou‐se solução fisiológica como fluido de irrigação.
VariáveisImediatamente após a entrada do paciente na sala de cirurgia, os sinais vitais foram medidos em intervalos de 5 minutos. Durante a cirurgia, o DC e a VVS permaneceram dentro de ±20% do valor basal em todos os pacientes. As seguintes variáveis foram medidas e registradas pelo residente da anestesia que não estava envolvido no estudo: gênero, altura, peso, estado físico ASA, diagnóstico e tipo de cirurgia; pressão do balonete do TET medida diretamente usando manômetro; variação da pressão do balonete do TET = pressão do balonete medida ao final da cirurgia menos a pressão do balonete no início da cirurgia (Δ PBTET); volume total de fluido de irrigação usado medido em litros; circunferência cervical ao nível da cartilagem cricoide medida com fita métrica. O nível na primeira medida foi indicado com uma marca para que nos tempos seguintes a medida fosse realizada no mesmo local; duração anestésica e cirúrgica (min); parâmetros hemodinâmicos, incluindo DC e VVS usando Flo TracTM; volume total de fluido administrado intravenoso(IV) medido em mL; ocorrência de complicações fatais e eventos adversos.
As variáveis foram registradas nos seguintes momentos: indução anestésica, 1 hora após indução anestésica, quando da alteração da posição do paciente e ao final da cirurgia
Análise estatísticaA análise estatística foi realizada usando o MedCalc® versão 15.6.1 (MedCalc Software, Mariakerke, Bélgica). Para confirmar que a variação antes e após a cirurgia na pressão do balonete do TET fosse devida ao edema do ombro, baseando‐se no estudo piloto, a diferença média de pressão esperada era de 2mmHg com desvio de 3mmHg. Um total de 40 pacientes foram incluídos para um erro tipo 2 (β) fixado em 20% ou 80% de potência e taxa de abandono esperada de 10%.
As comparações das variáveis com medidas repetidas foram realizadas usando ANOVA de medidas repetidas. As associações entre a quantidade de fluido de irrigação e a variação da pressão do balonete ΔTET foram realizadas empregando a análise de correlação de Spearman (r). Um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significante. Os dados com distribuição normal foram apresentados como média ± desvio padrão.
O desfecho primário foi avaliar a correlação entre o volume de fluido de irrigação e a variação da pressão do balonete. O desfecho secundário foi avaliar a relação entre a duração da cirurgia e a variação pressão do balonete. A circunferência do pescoço também foi avaliada.
ResultadosOs dados demográficos dos 40 pacientes e os parâmetros cirúrgicos são mostrados nas tabelas 1 e 2, respectivamente. Dos 40 casos, houve 27 casos de Ruptura do Manguito do Rotador (RMR), 8 casos de ruptura do tendão da cabeça do bíceps, 2 casos de RMR associada a rigidez, 1 caso de RMR com cisto subcapsular, 1 caso de RMR com lesão do Lábio Superior de Anterior para Posterior (SLAP) e 1 caso de RMR com tendinite calcificada. Foram realizados reparo do manguito rotador e descompressão subacromial via artroscopia. Quando necessárias, também foram realizadas capsulotomia, coracoplastia, tenodese do bíceps e remoção de calcificação.
Dados demográficos
Variáveis | |
---|---|
Sexo (masculino/feminino) | 22/18 |
Idade, anos (mediana, Q25–75) | 56 (54–63) |
Altura, cm (média, DP) | 162,1 [8,35] |
Peso, kg (média, DP) | 65,8 [10,46] |
ASA (I/II) | 20/20 |
Valores expressos como média absoluta [desvio padrão], mediana (percentil 25–75), ou números absolutos.
A variação da pressão do balonete do TET (ΔTET) apresentou correlação positiva com a quantidade de fluido de irrigação utilizada durante a artroscopia do ombro (r = 0,385; 95% IC 0,084 a 0,62; p = 0,0141) (fig. 1).
Houve diferença estatisticamente significante entre a pressão do balonete do TET após a primeira, segunda e terceira hora da cirurgia. O aumento da pressão do balonete TET não foi estatisticamente significante uma hora após a cirurgia (p = 0,138). No entanto, a pressão do balonete do TET mostrou aumento significante, 2 e 3 horas após o início da cirurgia (p = 0,0368 e p = 0,0245, respectivamente) (tabela 3). No entanto, a circunferência do pescoço não mostrou diferença significante (tabela 3). O líquido intravenoso não mostrou correlação significante com a variação da pressão do balonete (p = 0,722).
Parâmetros de medida (n = 8)
Circunferência de pescoço, cm | Valor‐p | Pressão do balonete, cm.H2O | Valor‐p | |
---|---|---|---|---|
Base | 37,69 [0,95], 34,5–41 | 28,75 [0,75], 28–30 | ||
Após 1 hora | 38,27 [0,87], 34,7–42 | 0,526 | 32,125 [1,15], 28–32 | 0,138 |
Após 2 horas | 38,7 [0,88], 34,9–42 | 0,178 | 32 [1,13], 29–34 | 0,037 |
Após 3 horas | 38,9 [0,9], 35,5–43 | 0,059 | 32,37 [1,29], 29–38 | 0,025 |
Valores expressos como média absoluta [erro padrão], mínimo–máximo.
Nenhum paciente teve complicações graves, como pneumotórax ou obstrução das vias aéreas durante a cirurgia. Neste estudo, a pressão do balonete durante a cirurgia mostrou valor médio de 30mm.Hg e máximo de 40mm.Hg. No entanto, não foram relatados casos de dor de garganta ou rouquidão na sala de recuperação.
DiscussãoO objetivo deste estudo foi avaliar a relação entre a pressão do balonete do TET e a quantidade de fluido de irrigação empregada durante anestesia geral de pacientes submetidos à artroscopia do ombro. Houve uma correlação positiva entre a variação da pressão do balonete do TET e a quantidade de fluido de irrigação utilizado. A pressão do balonete do TET também aumentou com o aumento do tempo cirúrgico. Houve aumento não significante da pressão do balonete 1 hora após a cirurgia. No entanto, houve aumento significante da pressão do balonete 2 e 3 horas após a cirurgia. Em outros estudos, a cirurgia artroscópica mostrou aumento significante de efeitos não desejados, como edema do pescoço, face e parede torácica.9 Neste estudo, observamos a tendência ao aumento da circunferência cervical com o aumento do tempo cirúrgico, mas não foi estatisticamente significante.
No entanto, como o fluido de irrigação pode aplicar pressão sob as estruturas das vias aéreas através do espaço retrofaríngeo9 e também pelo lado externo, a circunferência do pescoço pode não ser um indicador preciso do edema de tecidos moles. Portanto, do ponto de vista clínico, a pressão do balonete é considerada um indicador mais preciso da presença de edema. Os resultados deste estudo sugerem que é difícil avaliar o grau de edema apenas medindo a circunferência cervical. Essa limitação pode ser superada e resultados significantes podem ser observados com o emprego de ultrassonografia para avaliar o grau de edema, em vez de simples medidas de circunferência cervical.10
Na artroscopia do ombro, pode ocorrer vazamento extra‐articular do fluido de irrigação, mas geralmente é reabsorvido sem sintomas dentro de 12 horas.11 Os fatores que promovem vazamento extra‐articular incluem paciente obeso, uso prolongado e alta pressões da bomba do líquido de irrigação.12,13 No entanto, foram descritos vários casos de obstrução completa das vias aéreas pós‐artroscopia do ombro.12,14,15,16 A artroscopia do ombro é um procedimento ambulatorial sem proteção das vias aéreas e o fluido de irrigação durante a cirurgia pode ser extremamente fatal para pacientes com edema da mucosa das vias aéreas.14‐16 Pressão do balonete de aproximadamente 30mmHg ou mais pode causar isquemia e dor na mucosa.4‐6 No entanto, apesar de pressões do balonete de até 40mmHg observadas neste estudo, não foram relatados casos de rouquidão ou dor.
Um achado importante neste estudo foi a correlação entre o volume de fluido de irrigação usado na artroscopia e os vários fatores que o afetam, conforme demonstrado por nossos resultados. Se a pressão do balonete aumentar durante a artroscopia do ombro, ela pode ser monitorada e controlada para reduzir a dor no pescoço no pós‐operatório.
As limitações do estudo foram: para que a medição fosse precisa, foi realizada por um só investigador, e o desenho do estudo levou à diferença no tempo de cirurgia.
ResumoEm conclusão, para evitar complicação causada pelo aumento da pressão do balonete do TET, recomendamos o monitoramento rigoroso da pressão do balonete do tubo endotraqueal durante artroscopia do ombro, especialmente em cirurgia de longa duração em que é empregado grande volume de fluido de irrigação.
FinanciamentoA pesquisa foi financiada pela Fresenius Kabi Korea (20141269). A fonte de financiamento não participou de nenhuma forma no desenho, execução, análises, interpretação dos dados, ou decisão de submeter os resultados do estudo.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.